segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Que maravilha !




Ontém,  sábado,  cruzei-me por acaso,  no  mercado de Viseu,  com  uma conversa entre duas   duas senhoras,  vendedoras,  que  me  prendeu  a atenção.   Elas repararam  que  parei,  por certo  para ouvir  o que diziam,  não  levaram  a mal  e passaram  a falar entre elas  e  para mim.

Uma  maravilha.

Contava uma elas  que nos seus tempos,  leia-se quando  era nova, não  era nada como  agora.  Todos  os domingos ia com as irmãs à  missa. E, quando regressavam  a casa,  a mãe mandava-a  à taberna  comprar  cinco  tostões de  café,  cem gramas de açúcar,  um quarto de quilo  de arroz,  e um centeio,  um pão escuro que o branco,  o de trigo, não  chegava  ás  suas  posses.
E  elas gostavam  tanto  de ir  á taberna  ás compras…!  É  que  queria dizer  que  iriam  tomar café.
Tomavamos  em  malgas.  nessa altura era tudo  em  malgas.  Haia  um  pratico  mas  era raro  comer  do  prato. comiam  todos  em malgas,  redondas,  fundas,  “tá ver ? “

Agora,  compram-se  pacotes de quilos  de arroz,  de café,  de  tudo.  
E  o pão,  o escuro,  compra-se  como  se fosse remédio,  receitado  pelo  medico. È   melhor  para  a  saúde.

Veio  á  conversa  que  teve  um  marido,  o primeiro,  depois teve outro,  que  bebia  muito. Tratou-se em Coimbra nos  “Alcoolicos”.  Chegava a casa  quase sempre  “tocado”.  
Muitas vezes  ficava  contrariado  com  a comida que lhe apresentava na mesa.  Mas era  de boa boca. Nunca  regateava  se  não  houvesse carne,  coelho  ou  qualquer coisa para juntar ás batatas.  Era preciso  é  que  o azeite  ,  muito azeite  ele lhes punha,  e  o alho,  não faltassem. 
“Ó mulher,  desde  que  não falte  o azeite  e o alho,  não  há  problema” !

Mas,  muitas vezes  se  levantava da mesa e dizia  que ia sair   de casa. E  cumpria.
só que,  nesse tempo,  as casas  tinham  duas portas,  “o senhor entende ?”,  uma  de  entrada  e outra, atrás,  a da cozinha.  E saia pela da frente e quando ela dava  por ele,  tinha voltado  pela  de trás.  E dizia-lhe: “disse que  ia sair de casa e... saí  !“.

Um dia chegou  mais “tornado”, foi a expressão  da senhora  e  que  muito  me agradou. Ouvi   palavras,  com  tanta naturalidade, entoação  e  pronuncia,  que  há  muitos,  muito anos  não  ouvia.  E,  tornado  que vinha,  embirrou  com  os vasos  que  ela tinha  em  fileira  ao longo da entrada.  Deu  um pontapé,  dita uma biqueira,  no primeiro   e levou-os todos  á frente.  
Na manhã seguinte,  a vizinha de cima  veio  á janela,  viu  os estragos e disse-lhe cá para baixo: “Ó senhor Zé,  o que è que aconteceu  aí   em  baixo,  esta noite?  “
Ele dava sempre a volta  ao texto.  Respondeu-lhe que tinha sido  uma “bentaneira”.  
Olhou-me, com cara de duvida  se eu  tinha  entendido  do  que se tratava.
O vento,  respondi-lhe.
"Não,  ele sabia  que era o vento,  mas  disse-lhe  que foi  uma bentaneira".
"Diziamos assim".  Insisti,  o vento.  "Sim,  ele sabia,  mas disse como nós dizíamos  nessa  altura,  bentaneira".

A vizinha ainda retorquiu  que,  nos dela,  na varanda por cima,  estava tudo bem.  Respondeu-lhe :  “ Sorte  a sua,  sorte  a sua ! “


Veio  de Coimbra curado, uns  anos depois. Mas,  quando  estava já bom,  morreu,  não teve sorte,  “tá  ver ? “  

Pois. Acontece muito,  lá lhe disse.


Ainda houve tempo,  em  Viseu  tenho  muitas vezes  todo  o tempo  do mundo,  para  ficarmos a saber,  eu  e a outra senhora,  vendedeira  como ela,  que  um dia  o marido  chegou,  olhou  para a comida na mesa  e , com  um braço,  varreu  tudo  para o chão.  
"Disse-lhe  para ver o que  tinha feito  e  que  seria ele  quem  teria  que limpar".
“Ó mulher,  tudo  se arranja”.  chamou  por um nome de cão  que  não  fixei,  o cão  chegou-se a ele,  indicou-lhe  o  chão, a comida  espalhada,  ela era como se estivesse  a ver  as batatas fritas  que  eram  para ele,  o cão  comeu tudo  e deixou  o chão  limpinho.
“Pronto, já está.  Estás  a ver ? “

Paguei-lhe  o que tinha comprado.  
Prometo  que  lá voltarei  muito  mais vezes.

Uma maravilha.


É tão  bom  viver em Viseu.  E eu  que não vivo cá.  Venho cá,  o que  também  é  um bocadinho bom.




Sem comentários:

Enviar um comentário