Ontém, sábado, cruzei-me por acaso, no mercado de Viseu, com uma conversa entre duas duas senhoras, vendedoras, que me prendeu a atenção. Elas repararam que parei, por certo para ouvir o que diziam, não levaram a mal e passaram a falar entre elas e para mim.
Uma maravilha.
Contava uma elas que nos seus tempos, leia-se quando era nova, não era nada como agora. Todos os domingos ia com as irmãs à missa. E, quando regressavam a casa, a mãe mandava-a à taberna comprar cinco tostões de café, cem gramas de açúcar, um quarto de quilo de arroz, e um centeio, um pão escuro que o branco, o de trigo, não chegava ás suas posses.
E elas gostavam tanto de ir á taberna ás compras…! É que queria dizer que iriam tomar café.
Tomavamos em malgas. nessa altura era tudo em malgas. Haia um pratico mas era raro comer do prato. comiam todos em malgas, redondas, fundas, “tá ver ? “
Agora, compram-se pacotes de quilos de arroz, de café, de tudo.
E o pão, o escuro, compra-se como se fosse remédio, receitado pelo medico. È melhor para a saúde.
Veio á conversa que teve um marido, o primeiro, depois teve outro, que bebia muito. Tratou-se em Coimbra nos “Alcoolicos”. Chegava a casa quase sempre “tocado”.
Muitas vezes ficava contrariado com a comida que lhe apresentava na mesa. Mas era de boa boca. Nunca regateava se não houvesse carne, coelho ou qualquer coisa para juntar ás batatas. Era preciso é que o azeite , muito azeite ele lhes punha, e o alho, não faltassem.
“Ó mulher, desde que não falte o azeite e o alho, não há problema” !
Mas, muitas vezes se levantava da mesa e dizia que ia sair de casa. E cumpria.
só que, nesse tempo, as casas tinham duas portas, “o senhor entende ?”, uma de entrada e outra, atrás, a da cozinha. E saia pela da frente e quando ela dava por ele, tinha voltado pela de trás. E dizia-lhe: “disse que ia sair de casa e... saí !“.
Um dia chegou mais “tornado”, foi a expressão da senhora e que muito me agradou. Ouvi palavras, com tanta naturalidade, entoação e pronuncia, que há muitos, muito anos não ouvia. E, tornado que vinha, embirrou com os vasos que ela tinha em fileira ao longo da entrada. Deu um pontapé, dita uma biqueira, no primeiro e levou-os todos á frente.
Na manhã seguinte, a vizinha de cima veio á janela, viu os estragos e disse-lhe cá para baixo: “Ó senhor Zé, o que è que aconteceu aí em baixo, esta noite? “
Ele dava sempre a volta ao texto. Respondeu-lhe que tinha sido uma “bentaneira”.
Olhou-me, com cara de duvida se eu tinha entendido do que se tratava.
O vento, respondi-lhe.
"Não, ele sabia que era o vento, mas disse-lhe que foi uma bentaneira".
"Diziamos assim". Insisti, o vento. "Sim, ele sabia, mas disse como nós dizíamos nessa altura, bentaneira".
A vizinha ainda retorquiu que, nos dela, na varanda por cima, estava tudo bem. Respondeu-lhe : “ Sorte a sua, sorte a sua ! “
Veio de Coimbra curado, uns anos depois. Mas, quando estava já bom, morreu, não teve sorte, “tá ver ? “
Pois. Acontece muito, lá lhe disse.
Ainda houve tempo, em Viseu tenho muitas vezes todo o tempo do mundo, para ficarmos a saber, eu e a outra senhora, vendedeira como ela, que um dia o marido chegou, olhou para a comida na mesa e , com um braço, varreu tudo para o chão.
"Disse-lhe para ver o que tinha feito e que seria ele quem teria que limpar".
“Ó mulher, tudo se arranja”. chamou por um nome de cão que não fixei, o cão chegou-se a ele, indicou-lhe o chão, a comida espalhada, ela era como se estivesse a ver as batatas fritas que eram para ele, o cão comeu tudo e deixou o chão limpinho.
“Pronto, já está. Estás a ver ? “
Paguei-lhe o que tinha comprado.
Prometo que lá voltarei muito mais vezes.
Uma maravilha.
É tão bom viver em Viseu. E eu que não vivo cá. Venho cá, o que também é um bocadinho bom.
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