quinta-feira, 3 de março de 2016

Os alemães não brincam e os portugueses tacanhos estão na moda !

Em todo o lado há pessoas civilizadas, cultas, educadas, com valores de cidadania, solidarias, e ... pessoas que, por vezes, não são nada disto.
Mas, na grande maioria dos casos  há, sobretudo, pessoas que num dia são capazes de ser tudo isto e profundamente boas e orientadas por valores muito nobres e, no dia seguinte, são capazes de  fazer quase o seu oposto.
A educação ajudará muito a minorar estas alternâncias e os comportamentos reprováveis.
O apego aos valores essenciais da vida em comum, em sociedade, em democracia, tolerância e liberdade, em muito ajudarão mas, é por demais evidente que pessoas são pessoas e , mesmo aquelas por quem se poderia  dizer  que poríamos as mãos no fogo, em circunstancias diversas, muitas vezes nos deixam queimar.

Portugal era, nas décadas de cinquenta e sessenta, no pós guerra, um país pobre, muito pobre mesmo, sobretudo nas regiões do interior, com um grau elevadíssimo de analfabetismo, falta de bens essenciais, com largas  zonas de fome, penúria mesmo. Os chamados, nessa altura, oficialmente, como "remediados", tinham uma vida  penosa para assegurar a  subsistência  própria e da família mais chegada.
Ser "remediado", mais tarde  a chamada "classe média",  era conseguir subsistir, com muita dificuldade.

A falta de bens importados em Portugal e a dificuldade de poder de compra  para aceder aos bens existentes, levavam a exageros, quase ao êxtase, de idolatrar os  poucos produtos vindos de fora a que as pessoas tinham difícil acesso. Também o  êxito da recuperação da industria alemã, com a ajuda e a expensas dos Estados Unidos da América e dos Países Europeus aliados, levavam muitas vezes a falar do milagre alemão, sem ter em conta quem estava a suportá-lo, e a catalogar de excelência tecnológica tudo o que tivesse origem alemã, sobretudo os produtos industriais.

Claro que, na Alemanha como em França, nos EUA ou em Portugal, sempre houve, tal como quando se fala das pessoas, produtos considerados do melhor, do menos mau do trapaceiro e do pior.
Para sair da crise e da destruição do pós guerra,  quem queria singrar tinha de produzir, de facto, do bom e do melhor.

 Mas aos alemães,  a fama,  ficou-lhes a crédito e, na ausência ainda dos gigantes concorrenciais tais como a China, Coreia do Sul, Japão, India e outros que dão cartas no mercado globalizado,  ficou a assinatura " o que é alemão é bom".

Longe vão os tempos em que, em Portugal,  agencias de publicidade realmente criativas mas com um elevado nível de seriedade, por exemplo a Macan Ericsson, dirigida por Vera Nobre da Costa, e muitas outras,  ganhavam prémios internacionais, anualmente, uns atrás de outros. Mas tudo conseguido com uma certa escola a que os valores mais nobres não eram estranhos.

Há poucas décadas para cá,  direi,  uma  nova era  da "chico espertice",  do vale tudo e das palavras feitas,  ganhou  terreno, está na moda e, mais grave,  tende a fazer escola pela  falta de capacidade da maioria das pessoas, diga-se, utilizadores ou consumidores , terem uma visão critica.

A prova evidente de tudo isto está num anuncio que não poderia ter sido menos oportuno, de uma marca de carros alemã.
Precisamente no momento em que rebentou o escândalo da batota do grupo Volkswagen, nos EUA, na Europa e um pouco por todo o mundo,  manipulando a informação e avaliação da  poluição em CO2,  a marca alemã sai com um anuncio que acaba com um parvoíce  de um jovem, pretensamente esperto e  vencedor na vida,  a dizer : "os alemães não brincam em serviço ...! "

Pois não brincam, não. Brincam como qualquer outro povo, aldrabam e viciam o jogo a seu favor, também, como é da história da humanidade, como quaisquer  outros, gang, seita ou grupo de pessoas dentro de uma mesma nacionalidade.  Nestas coisas da natureza humana, no campo dos comportamentos, das ciências sociais, todos fazem de tudo, do melhor e do pior. Uma mais, outros menos, outros apenas por excepção, mas fazem.
Admiramo-nos, por vezes, pois neste ou naquele grupo, até fundado á luz de valores, credos ou ideologias impregnadas dos mais altos valores, as coisas e os escândalos acontecem.

Acontecem pois. Tão só porque são constituídos não por máquinas formatadas mas por pessoas.
E as pessoas comportam-se de forma  muito diferenciada  ao passar dos dias, dos tempos, dos humores,  dos desejos e das vontades. Para  já não falar das ganâncias.

O que está mal no anuncio, tal como o que está mal nas políticas de obediência cega  ás recomendações políticas em moda , hoje, na União Europeia para os Estados Membros menos afortunados,  é tão só a tacanhez de espirito, o provincianismo bacoco  que grassa  nas mentes dos políticos cegamente obedientes que  teimam em sobreviver e singrar á custa do rotulo tacanho  e  hipócrita   de "bons alunos  obedientes".
O que está errado no anuncio e é ofensivo para a generalidade dos consumidores europeus que não são alemães, é o pressuposto e a afirmação que "os alemães não brincam", nem se enganam, implicitamente.  Acabada a exibição do anuncio, muitas vezes a primeira noticia, logo a seguir, no serviço noticioso de hora a hora, era o assumir do escândalo pela marca alemã de automóveis...

Tal como num outro anuncio em que uma assistente de bordo de uma companhia aérea, presumia-se a Lufthansa, encontrava umas chaves de um carro utilitário alemão, Opel, no chão do corredor da classe executiva e vinha perguntar á classe turística quem as tinha perdido. De seguida, era um passageiro da executiva que as reclamava e as recolhia. Para estupefacção da assistente que dizia mesmo como podem ser suas estas chaves de um carro tão vulgar viajando o senhor em classe executiva....
Este anuncio, para além de pouco inteligente para a própria marca, era extremamente ofensivo tanto para quem viajava em turística como para quem  viajava em executiva, conforme o angulo de análise e o poder de encaixe de cada um.

Estranho, estranho, é que não consta que alguém se tenha insurgido publicamente contra isto. Muito menos as empresas envolvidas que pagaram toda aquela festa.
Pudera, quem as dirige já não deve ter também espírito critico nem sensibilidade. Nem dão por isso.

Carlos Pereira Martins