sábado, 15 de junho de 2019
Eduardo Ferro Rodrigues
Visto agora, com os olhos que hoje temos, qualquer um o diria.
Naqueles anos, naquela época, o que os olhos viam era toldado pelas sombras de todos os dias e ninguém se atrevia a projectar o que via para tempos que haveriam de vir.
Uma RGA, Reunião Geral de Alunos, começava com uma intervenção e informações do presidente da AE (Associação de Estudantes). E, enquanto ele usava da palavra, o cortejo de inscrições, uns sempre marcando outros que já se tinham inscrito, assegurando a cada cor política a possibilidade de falar a seguir e contrariar ou corrigir o que acabara de ser dito, ia-se sucedendo.
Em Economicas era assim. Falava o Vasco Cal, seguiam-se duas ou três intervenções, do MRPP, dito o MR, da FEC-ML ou mesmo do Jofre Justino e tudo ficava mais em brasa do que na altura em que começara. A sala da biblioteca de Economicas ficava á pinha, mesmo na escadaria, cá fora, os estudantes se acotovelavam.
Por essa altura, depois das primeiras intervenções, os estudantes anónimos ou menos politizados, já viam tudo e todos iguais aos pides, eram todos bufos e o que ali os tinha levado perdera toda a importância inicial dadas as revelações e as acusações produzidas. Eram todos pides ou sociais-fascistas, todos pides ou todos do PCP revisionista e social fascista !
E vinha então quem reposicionasse as coisas, voltando a dar sentido á realização daquela RGA, sessão de esclarecimento ou reunião.
Muitas vezes pela mão e pela boca do Graça, o Eduardo Graça.
Mas quase sempre também pela intervenção segura, inérgica e convicta do Ferro. Tinha uma voz grossa e bem colocada, tão grave como o bigode e a farta cabeleira que lhe ia até quase aos ombros. Dava segurança a quem o ouvia, mesmo que todo aquele ambiente fosse febril e sempre á espera que os ânimos viessem a descambar em trolha da dura, mesmo que se soubesse a policia de choque ali mesmo em baixo na Rua das Francesinhas, no jardim da Delegação de Saúde, e os gorilas nos jardins e nos corredores de Economicas. Mas que quase sempre era evitada.
E voltava a ter sentido o que já tinha sido informado, a razão para ali estarmos.
Depois, bem, depois vinha uma proposta escrita que começava com um "considerando que..." e logo a seguir outro "considerando que..." e mais outro e tantos outros quantos viessem a ser precisos até que no alinhamento fizesse sentido um "propomos que ..." .
Antes disso, tinham aparecido mais duas ou três propostas, algumas que se fundiriam num bloco que viria a ser rejeitado e outra que iria á votação final, muitas vezes a da UEC e do Vasco Cal, que acabaria por ser vencida "em alternativa".
O Eduardo, era a voz e a presença que se impunha, que dava credibilidade ás causas, que se fazia respeitar ... até que um dia, mais tarde, foi a votos e tirou a Direcção da AE ao Vasco Cal.
Fiz eu também parte de uma dessas direcção da AE com o José Antonio (Vieira da Silva) a liderá-la e, como era sabido, composta, toda, por gente do MES.
O MES, movimento de Esquerda Socialista, que depois do 25 de Abril se instalou ali mesmo ao lado, no prédio da D. Carlos I, como eu lhe chamava, a casa do tomatinho ou da estrelinha do MES.
Ferro Rodrigues foi um prestigiado lider do Movimento Associativo. E o movimento associativo universitário e estudantil foi, nessa época em que sabia rejeitar as praxes e os rituais estúpidos, alienantes e humilhantes da dignidade dos estudantes, um dos instrumentos mais eficazes na desagregação dos pilares do Estado Novo.
Com o 25 de Abril, vieram os grandes Comícios, as Assembleias e os congressos dos movimentos políticos. E, em todos eles, sempre um orador com aquela capacidade de intervenção que impunha ordem e se fazia ouvir. O Féfé, Eduardo Ferro Rodrigues.
Recordo o grande comicio do Pavilhão dos Desportos, hoje Pavilhão Carlos Lopes.
Ferro Rodrigues foi "o orador". Claro que neste grupo de pessoas que davam conteúdo e sentido aos discursos, ás suas intervenções, não posso deixar de incluir o Agostinho Roseta, o Augusto Mateus, o Nuno Teotonio Pereira, mais uma vez o Eduardo Graça, o saudoso Vitor Wengorovios, os Manos Cordovil e o sempre muito organizado Zé Dias com quem ainda há poucos dias almocei...!
Visto com os olhos de hoje, claro que tudo se resumia aos jogos de prognostico mais do que certos, seguros, das apostas do totobola da Santa Casa.
Aquele tipo, tinha mesmo que vir a dirigir-nos, a conduzir os destinos do país. Fosse Ministro ou Primeiro Ministro.
Talvez ninguém ousasse apostar em Presidente da Assembleia da República.
Tinha todas as qualidades para o fazer, para o ser. Foi assim em Economicas, no movimento associativo, em Mafra, na tropa, em todo o lado.
Eduardo Ferro Rodrigues, no Movimento Associativo Universitário, ajudou a "fazer a cama onde se viria a deitar", na feliz expressão popular que perdura há tantos anos. O Portugal democrático, e com toda a legitimidade.
Estava tudo tão claro, ele era tão talhado para isso, ... só a espuma cinzenta dos dias do passado removido nos impedia, na altura, de o vaticinar a plenos pulmões. E, depois, a dificuldade de o dizer. Um revolucionário Ministro, ou Presidente da Republica ou da AR ? Difícil de o fazer acreditar. Mas já na altura muito evidente, um futuro que não era difícil de adivinhar, fazia todo o sentido.
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Obrigado e parabéns
ResponderEliminarBoas memórias desses conturbados tempos amigo Carlos.
ResponderEliminarUm abraço.
A FEC-ML ainda não existia.
ResponderEliminarQuem é o autor da foto?
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