domingo, 16 de junho de 2019

A vergonha, a compaixão, a sensibilidade.


As pessoas, sim porque é de pessoas que se trata, perderam  definitivamente a vergonha e despiram-se de sentimentos. A indiferença e a ausência de vergonha ou de compaixão  tornaram-se moda e, pior do que isso,  enraizaram-se mesmo  nos corações e nas mentes de uma já considerável parte da massa anónima que vai a votos, elege e decide o presente e o futuro da humanidade.

Ainda há pouco olhava o ecrã do televisor e, numa parte dele  passavam imagens de dois petroleiros em chamas, com rombos, com tripulações a ser evacuadas, um cenário de tragédia senão guerra.  Na outra parte do ecrã,  comentadores usavam as palavras, faziam trocadilhos, divertiam-se e faziam futurologia sobre as desgraças que dali poderiam advir para o mundo.

Enquanto isso, em cima das imagens dos petroleiros a arder,  passavam  já as cotações do  crude que naturalmente haviam disparado. Os lucros e as perdas de quem, com a desgraça,  vai fazendo  fortuna.

Mas estas imagens são comuns em vários outros dias. Em cima da transmissão  ao vivo de guerras em várias partes do mundo, os comentadores imunes a qualquer sentimento de compaixão, pena, amor pelos outros e com total falta de vergonha,  fazem  a sua parte no circo mediático.

Alguns canais de televisão, especializaram-se mesmo  na transmissão da desgraça, do crime, do sangue e do horror que servem  a cada minuto e tornam  quem  os segue  imunes a qualquer sentimento de amor,  sentir solidário,   vergonha na cara  e ausência de valores  de cidadania.
Quase todos os canis e orgãos de comunicação escritos e falados divulgam e promovem debates e comentários sobre um novo fenómeno que nos invadiu, as fake news  ou  noticias falas, outrora tratadas como crime, perjúrio, hoje promovidas e banalizadas servindo os mais negros propósitos.

Se, no passado, as pessoas  se preocupavam  em  mostrar  sentimentos muito ligados aos valores  religiosos,  amiúde usando e abusando  dessa  beatice para efeito de montra  e promoção  pessoal,  fazendo com isso esquecer e contrariar o que de mais  negativo se lhes podeia atribuir,  com  a escola  de indiferença e ausência de vergonha   profusamente  divulgada   nos últimos anos pelos  media,  hoje em dia,  a promoção pessoal  e a moda  colam  á  desumanização , á insensibilidade e à falta de vergonha.

São  já  situações diárias  muito  comuns as  transmissões  de desgraças, acidentes, incêndios, guerras, atentados e tragédias de toda a espécie  em  que,  simultaneamente, aparecem  informações em  legendagem  que nada  ligam  com  o que está a ser noticiado. Muitas vezes são de sentido oposto  no que se refere ás emoções que podem  fazer sentir. Muitas vezes, em cima da tragédia, refere  jogos de futebol, cinemas, programas a transmitir pelas televisões, uma completa falte da sensibilidade.

E, com  esta  "escola",  as massas anónimas estão  agora  prontas, adequadas e aptas para elas próprias serem  parte activa  neste  novo mundo  da insensatez, do voyeurismo, do egoísmo, da promoção do umbigo próprio como expoente máximo do que possa ser importante para a humanidade, da maledicência e daquilo a que comumente e em linguagem rápida se apelida de cusquice e o denegrir o próximo.

Não  consigo já fazer vaticínios sobre a evolução disto tudo, ao que isto  nos poderá conduzir, nem valerá a pena.

A pena, vale, estou certo, denunciar, alertar, falar, escrever e contrariar.
Isso  sim. E é por isso mesmo  que  o estou a fazer.

Há quem não goste? Pois bem, que coma menos. Também  eu não gosto do que vejo, do rumo  desta história  e vou tendo  que  engolir.

Creio sinceramente que é possível  dar a volta a esta situação. Até pelo facto de muitas pessoas que parece serem  promotoras daquilo contra o qual  me revolto,  serem  pessoas  com qualidades, capazes de grandes coisas, com sentimentos nobres, boas. Vão  é na onda da "moda", desta moda horrenda que  nos invadiu. As reacções de grupo, os movimentos  motivados pelas  psicologias  de grupo, são assim  mesmo. E, tão facilmente quanto  progrediram  no sentido  que considero  negativo,  são capazes de corrigir a marcha e inverter de rumo  para o melhor  dos sentidos.

Como a esperança deverá ser a ultima coisa a perder,  tenhamos esperança. Mas não basta tê-la, é mesmo preciso  militar por ela.

Carlos Pereira Martins

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