1 - A dúvida singela com que tantas vezes me confrontam
Hoje em dia, o cidadão comum discute e opina sobre praticamente todos os assuntos que sejam lançados para a mesa. Mesmo sobre temas especializados, toda a gente tem opinião avisada, ninguém se abstém de acrescentar qualquer coisa.
Mas, também acontece, com frequência, que quem dá sentenças sobre temas muito especializados, confessa total desconhecimento em relação a questões elementares e que, se calhar, justificariam maior reflexão, por serem primárias, na busca de entendimento.
Há uma com a qual sou muitas vezes confrontado. Vá de conversa de café com amigos ou conhecidos, vá no taxi de ida ou regresso das minhas viagens, muitas vezes os amigos ou até mesmo o interlocutor ocasional, o taxista, me dispara a questão elementar.
Depois de muita conversa e de sentenças para tudo, até sobre a politica monetária da União ou as mais recentes medidas governativas, lá vem a confissão de que só não percebe para onde foi a riqueza, para onde foi o dinheiro de um dia para o outro, da noite para o dia, pois, o que é facto é que ainda há pouco estavamos todos tão bem, os Países agora á beira da ruina e os remediados de agora, prosperavam, e, de um sopro, ficou tudo aflito, tudo na miséria.
Mas, afinal o que aconteceu? Será que alguém roubou de facto? Mas, tanta riqueza? É possivel? e para onde levaram tanto dinheiro?
Por certo que, até os profissionais dos comentários, os fazedores de opinião e o cidadão comum, se terão já confrontado, no intimo do recato com os seus botões, sobre tais dúvidas que, por tão simples e tão do campo da humana ignorância, são afastadas de imediato, ficando, para todos os sabios, sem resposta.
Aconteceu-me há dias, em Madrid, no diálogo sempre útil com o motorista do táxi que me levou de Barajas para o Hotel Palace, nas Cortes.
Resolvi tentar que me entendesse, numa explicação que lhe procurei dar.
2 - Afinal, o que é um Economista ?
A economia é uma ciência social, não é, como sabemos, uma ciência exacta, como a matematica ou a fisica, por exemplo.
Quer isto dizer que, na compreensão e na análise dos fenómenos económicos, há uma forte componente de factores psicológicos, de envolvente social, que não pode ser ignorada.
Os Economistas são preparados para trabalhar, a vida toda, com "Modelos". Modelos Económicos, que, uns mais completos ou sofisticados que outros, simulam, por isso mesmo, melhor ou pior, os comportamentos das variáveis economicas, face a alterações de evolução de outra ou outras dessas variáveis.
Não é Economista quem quer , quem fala ou comenta temas economicos ou quem gere negócios.
É economista quem está preparado para isso, para o exercício dessa importante Profissão, sabendo utlizar os modelos económicos e as tecnicas para cuja utilização foi preparado.
3 - A Confiança define o antes e o depois da crise
Tentemos passar uma ténue linha de fronteira entre o "antes da crise" e o "depois da crise".
Antes da crise, tinhamos um conjunto de Países, um conjunto de Economias, de agentes economicos, de Pessoas, Familias e Empresas que se relacionavam no dia a dia sendo que o cimento , a substancia que dava força e consistência a essas relações economicas era a Confiança, a segurança que todos tinham de que tudo se passaria dentro da normalidade das regras acordadas. A seu tempo, quem comprava pagaria, quem vendia receberia, quem tivesse necessidade de obter meios de financiamento encontra-los-ia e o risco inerente a tudo isto era aceitavel.
Naturalmente que há, Pessoas, Familias, Empresas e Estados, que têm ocasionalmente, excesso de recursos e de riqueza e, outros, que têm, na mesma ocasião, carência de recursos.
Daí a importancia que assume o Sistema Bancário, no funcionamento das Economias.
A Banca tem como missão fundamental promover a intermediação. Ou seja, recolher os excessos, os recursos, a Poupança, de quem a tem a mais para as suas necessidades, de sobrevivência, no caso das Pessoas e das Familias e de financiamento para a prossecução da sua actividade no caso das Empresas ou dos Estados.
E, com base numa relação alicerçada na Confiança que desde sempre tem estado associada á Banca, ao Sistema Bancário e ao sistema Segurador, os fluxos acontecem como na física com o sistema de vasos comunicantes a funcionar em pleno.
Havendo Confiança no Sistema, nos Agentes, no Equilíbrio estabelecido e nas regras de funcionamento em vigor, não há qualquer problema para que tudo funcione e resulte em benfício para Todos . Pese embora o facto de uns terem excessos e outros défices. Essa é uma questão de ética e justiça social que não impede o sistema de funcionar desde que a confiança esteja adquirida.
Passando para a esfera macroeconómica, para o campo das Empresas e dos Estados, nunca constitui problema haver desiquilíbrios, Estados com carência de meios, desde que se saiba onde poderão ser obtidos os recursos necessários. E, assim, a rede de relações económicas e financeiras funciona com base num elevado grau de Confiança.
Convém, como naturalmente se compreenderá, que a regra de bom senso e de limites á dependência de recursos de terceiros, seja observada . Não é admissível que um Estado promova tudo o que é imaginável de bom e de bem estar para os seus cidadãos confiante em que todos os meios de que para isso necessite os irá buscar aos Estados excedentários do costume.
Convém neste ponto recordar que, dados os padrões de vida das populações, as opções políticas e o cariz ideológico dessas opções e orientações, há Estados tradicionalmente aforradores, que produzem mais do que os seus cidadãos consomem ou do que lhes é necessário para manter os níveis de qualidade de vida que optam por lhes dar, e outros que vivem normalmente com escassez de meios, de recursos. Todos aqueles que assumem desde há muito a opção política e ideológica de consumir mesmo acima do valor da riqueza que produzem, que optam por padrões de consumo para os quais não têm uma correspondente criação de riqueza.
Mas, mesmo nestas condições, mesmo com desiquilibrios grandes, tudo pode funcionar , as relações económicas, financeiras e as relações comerciais, as relações de troca existirem normalmente.
Com mais ou menos recursos, com maior ou menor criação de riqueza, entenda-se produção de bens e serviços, mais ou menos dependentes, se a Confiança existir e for forte, tudo funciona e todos podem viver no padrão de qualidade de vida que pretenderam escolher.
Com a Confiança posta em causa, e isso pode acontecer de um momento para o outro, da noite para o dia como parece ter acontecido recentemente, tudo se pode desmoronar de um momento para o outro.
E, na falta de Confiança, ou com ela abalada, o processo de autodestruição progride a uma velocidade muito elevada.
Entra aqui em acção, e muito, o tal factor social, o psicologico com o minar das expectativas, a queda das pedras do dominó que se sustentavam pela Confiança.
E, a partir daí, cada um terá mais razão para se perguntar se deve ou não alimentar o funcionamento dos fluxos que garantiam aquela "Harmonia".
E, cada vez que uma dúvida, legitima mas que funciona como um veneno potente, é colocada, mais um cilone sopra em direcção ás pedras do dominó pois é mais uma dúvida que alimentará novas dúvidas em relação ao cimento, a confiança. que permitia o funcionamento.
Sejam os governantes a colocar as dúvidas, sejam as pessoas, as empresas ou os analistas e a imprensa .
De um dia para o outro, o que era toda a gente a viver bem e com elevados niveis , é posto em causa.
Por ter faltado a confiança.
Deixou de haver Confiança para comprar habitações, carros, para comer , para produzir.
E, como a partir de aqui se pode fácilmente entender, se a este estado de coisas acrescentarmos as politicas de salvação que estão a ser postas em prática por parecerem , aos governos, que serão as que vão no sentido de dar sinais de correcção aos "Mercados", ou seja, a todos os outros intervenientes, tudo se agrava.
Tudo se agrava pois essas politicas são extremamente restritivas, assentam nos cortes nos rendimentos seja pelo lado dos cortes nos salários , seja pelo lado dos aumentos dos impostos.
Levam á forte diminuição do consumo, o qual origina diminuição da produção e, por consequência, do emprego.
A partir do momento em que a falta de Confiança se propaga e toma contornos de sentimento generalizado, é como uma verdadeira arma de destruição massiva a actuar.
Interrompendo-se o fluxo de relações economicas e financeiras que suportam o funcionamento das Economias e dos Estados, é a estrutura do relacionamento social, interno e internacional, generalizado, que é derrubada.
E, a partir dessa situação, convirá ter presente quer lições anteriores que a história nos permite reter. É sabida a importancia fundamental da existência de comercio para assegurar a Paz.
Havendo comércio, funcinando as relações comerciais, todos os intervenientes nesse fenómeno se encintram interessados em que as regiões envolvidas tenham estabilidade para que essas trocas se realizem.
Havendo comércio, fica assegurada a necessidade de produção, logo de postos de trabalho, de emprego. Mas, para que isso possa acontecer, são necessários os meios economicos, os fluxos financeiros a funcionar. Sem Confiança, nada disto pode ser assegurado e, convém prevenir, a Paz pode estar, mais rápidamente ou mais lentamente ser posta em causa.
Portanto, o bem estar, a riqueza e o dinheiro que as ultimas gerações sempre viram existir e aparecer sempre que era necessário, não fugiu para qualquer lado. Não se trata de riqueza física que existia e desapareceu. Aquilo que permitia o conforto da qualidade de vida e do consumo a que se estava habituado, eram os fluxos financeiros que davam suporte e erm causa e consequência das relações comerciais.
Entender isto é fundamental , sobretudo para quem queira, quem seja ou tenha pretensões de ser decisor, de ser governante. Receio que, por simples que tudo isto é, seja afastado do pensamento e do entendimento imediato por certos pensadores, peritos de economia de pacotilha.
4- "Pormenores" que em muito agravam todas as conclusões teoricas
Mas, esta, é uma explicação que podemos classificar de "macro", de teoria geral.
Para sermos rigorosos, há que refinar a análise, descer ao pormenor dos factos e do que realmente se passou em Portugal e que em muito contribuiu para agravar ainda mais este clima de desconfiança, logo, o clima de crise.
Não se fique com a ideia que não houve desvios de fundos, que não houve corrupção em escala difícil de imaginar pois tocou e toca as raias do completo despudor.
Fundos desviados em grandeza que ameaçou a integridade e a soberania do País.
Que terão sido colocados fora de Portugal, que continuarão em Portugal mas em mãos indevidas ou que se repartirão entre os dois destinos.
Não podemos deixar de considerar dentro deste grupo os casos de policia, de roubo , fraude , no BPN e no BPP.
Não se compreende, ainda agora, porque razão o Governo português não dissolveu o BPN , pagando a quem legitimamente houvesse que pagar, e, antes, prefere "vender" , pagando pela venda,
muitos milhões de euros , ir espoliar os trabalhadores bancários do que descontaram durante a vida de trabalho para garantir as suas pensões futuras e ir, agora, ainda por cima, metê-los no BPN a titulo de aumento de Capital para poder operar. É incrivel, inadmissivel por completa falta de seriedade ou explicação.
A tudo isto, junte-se a privatização da REN.
A rede energética nacional, a rede de distribuição de energia, é, só por si, qualquer coisa de muito nacional, garante de soberania, de independência e sobrevivência. É do estado, é pública. Caso contrário, pensar-se-á que alguém deixaria colocar dentro da sua propriedade os postes de distribuição, os comutadores, todo o que é necessário para que as populações tenham acesso á energia para viver?
E, isso que é tão intrinsecamente nacional na acepção de bem comum da população e do País, vende-se assim a algum privado?
È concebivel, é licito, é justificavel?
Com o argumento que o mercado livre, a concorrência, levará a beneficios para os consumidores? Mas fazem dos cidadãos parvos ou a falta de vergonha já não tem limites?
Todas as pessoas sabem no que deu a liberalização e concorrência no caso dos combustiveis. As gasolineiras que acabam por ser em numero muito reduzido, com preços absolutamente concertados, um corrupio de aumento generalizado dos preços.
é que, no caso da electricidade, como no caso do gás, os operadores não terão ofertas diferentes, o consumidor não optará por A ou B e ligará a sua casa a "condutas" diferentes. Não, a REDE é e será a mesma, os mesmos canos, os mesmos fios, tudo o que já cá temos.
Acontecerá, sim, que uns poucos operadores concertarão entre si a facturação e os preços que aplicam a consumidores diferentes que optam pelo A ou pelo B. Temos o exemplo já com as alterações de contratos exigidas pela EDP no programa que está a levar para a frente com o Continente.
É um dado mais que provado , e os próprios operadores já o afirmam, que os preços da energia e do gás aumentarão e muito.
É muito preocupante e pensamos que em muito ultrapassará os riscos tão falados e que se adivinhavam com as PPP/ Parcerias Publico Privadas, o que ainda esta semana o Presidente do Grupo que ganhou a privatização da REN dizia numa entrevista. Falava na garantia que Estado português tinha assumido no contrato de privatização em suportar os custos e o esforço futuro com as energias renováveis. Em montante, em milhares de milhões e em custo incortavel para o País, ultrapassa as PPP, as SCUT e tudo o resto.
Será que ainda ninguém viu?
Para nos apercebermos um pouco do que se passa no mercado da energia, bastará procurar a chamada "experiência de trazer por casa". O preço de uma bilha de gás do lado de cá e do lado de lá da fronteira com Espanha, duplica !
Ninguém quer investigar qual a razão? Para onde vai o acréscimo?
Ligando tudo isto ao tema inicial, a crise internacional e europeia, tal como em relação aos offshores, pensamos que aqui, só medidas concertadas dos governos da UE poderão colocar um travão ao saque generalizado que nem os corsários do antigamente praticavam em tão larga escala.
Só uma medida politica que passe a considerar que estes "negócios" não podem ser feitos, não têm legitimidade e por isso são nulos, pode pôr cobro a tudo isto e ao agravar da crise.
E não poderá haver lugar a indemnizações como aconteceu no caso das nacionalizações depois de 1974.
Não pode. Quem comprou terá que entender que comprou uma coisa que não pode ser vendida.
Deveria ter-se prevenido ou aconselhado.
É tal e qual como ir oa Terreiro do Paço e comprar a Estátua do D. José a um qualquer vigarista.
não tem efeito o negócio.
E compreende-se que só com decisão politica CORAJOSA da Governação europeia isto possa ter cobro.
De nada vale a pena ter todos estes escândalos na imprensa, nos media, durante uma ou duas semanas, alimentar mais uma campanha de vendas de jornais e de escaramuças politicas que levam a criar condições negociais para futuras reacções e posições quando surgirem outras, no futuro, originadas nos terrenos contrários e, de seguida, nada ter consequências.
O País desgasta-se, as pessoas são levadas á depressão e á doença e nada tem consequências.
Apenas leva á continuada perda de CONFIANÇA que, como foi dito, é um dos factores que mais directamente contribuem para o agravar da crise.
E os exemplos são muitos, muitos. Citamos estes mas são imensos. Mais recentemente, veio a noticia do magistrado que julgou um presidente de uma instituição financeira angolana e, logo de seguida, vai contratado para um segundo Banco angolano e deixa a magistratura em Portugal !
Como sempre, muito titulo de jornal, muita teoria jurídica mas, nada tem consequências.
5 - A ilusão da democracia, do pluralismo e da liberdade de imprensa
Vivemos, então, uma ilusão de democracia, de liberdade de imprensa e de pluralismo, situação que foi já muito aproveitada e devidamente formatada para servir interesses ocultos, de corrupção e obscuros.
Assim como os delinquentes e corruptos aproveitaram e "modernizaram", a seu geito, as possibilidades que o regime democrático lhes oferece, seria necessário que os Cidadãos, as pessoas anónimas e todos os que escolhem como modo de vida a democracia, o bem estar dos outros, não só e apenas o seu bem estar ganancioso e sem limites para essa acumulação própria, fizessem qualquer coisa para interromper o processo negro.
Como em 1974 um grupo de oficiais democráticos fez. Agora, naturalmente, um grupo diferente, de forma diferente, mas por forma a interromper o processo tenebroso em curso. Não só em Portugal mas internacionalmente.
Não pude deixar de esboçar um sorriso, agora mesmo, pois de imediato me lembrei da conhecida Internacional, de tempos idos e cujo resultado, como sabemos, não foi o pretendido nem o anunciado.
Mas uma Internacional dos tempos modernos, valeria a pena. Sem dúvida!