quinta-feira, 28 de março de 2019

Dia Mundial do Teatro no teatro A Barraca

A noite passada  entrei na pagina do facebook de Tchekov, encontrei-o febril, sempre a tossir,  mas, mesmo assim,  deixei-me guiar pelo seu conselho.

Embarcamos em Santos  junto à Barraca, Teatro Cinearte, rumo á Ilha de Sacalina.
A Maria do Céu Guerra e o Helder Costa até me ofereceram  a viagem. Gente boa!

Viagem tramada e  muito agitada.  Com saltos  constantes na carruagem,  o resfolgar  dos cavalos, ruído contínuo da chuva a cair sem parar, trovoadas e mar agitado quando fomos lançados á água na barcaça que nos levou a Sacalina.
Só  aquele   som  contínuo da chuva a cair  quase nos deixava os corpos encharcados. Ao  medico Anton Tchekov  valia-lhe o guarda-chuva preto na mão.
Lá chegamos.

A ilha dos deportados onde tudo era diferente, um diferente pior que tudo o resto o  que a Rússia tinha mas que, infelicidade minha, muitas vezes me  fez lembrar o já visto, ..., sobretudo  o  já tantas vezes por mim desejado "não quero mais voltar a ver isto ! "

Já em palco, ofereceram-nos um outro espectáculo, levaram-nos ao teatro, ver um pedido de casamento. Ou o como as opiniões mudam num repente quando  as promessas são de casório. A solidão, dizem,  é coisa tramada, as donzelas sabem  como fugir dela, há quem  o diga.

Sacalina !

Ilha de deportados,  de  justiça  á moda  dos que  pelo populismo querem nestes tempos virar a Europa  numa Sacalina gigante com métodos já antes ensaiados e levados à cena pelo fascismo.
A justiça das chibatadas. Trinta pelo chefe do posto, cinquenta pelo intendente e cem pelo governador. Tudo  com regras, com peso, muito peso,  e medida.  Pela  medida grande!

Mas, ali aprendi também  coisas de partilha, de  amor pelos outros, envolvendo carcereiros e encarcerados.

Barcos que vão chegando com gente que matou gente no desespero do momento, gente que não matou gente mas disseram que o havia feito. É o quanto baste. Mulheres que não se incluem nessas gentes pois apenas virão com elas para trabalhar em casa, nas terras  e  para o  todo o serviço dos senhores importantes, que os há já entre os deportados condenados, a ver o judeu que agora trafica com os haveres dos outros que os vão roubando aos que chegam incautos e os perdem ao jogo ou acordam mortos, sem haveres, à beira do rio.

Sacalina das mulheres que sobram da apresentação aos senhores, quando chegam, e por não terem sido escolhidas, as mais bonitas metem-se sempre à frente, vão  para o  serviço público, entenda-se haviar  fregueses pelas ruas e onde haja quem delas se  queira servir.
Sacalina da prostituição.   Sacalina dos trinta e poucos  ali nascidos. Os outros foram  sendo dizimados pela varíola, pelas febres, má nutrição com falta  de legumes e muita gordura para combater o frio siberiano.

Sacalina visitada e catalogada, nas gentes, nas doenças, no modo de vida, na demografia e no de que real  a ela  vem colado, a miséria das gentes,  pelo médico Ivanov Tchekov.  Ontém, chamavam-lhe Ruben Garcia e bem mereceu  que o nomeassem assim.

Mas também Samuel Moura, Maria do Céu Guerra, João Maria Pinto, Sergio Morais, Sonia Barradas, Claudio Castro, Rita Soares, Adérito Lopes, Paulo Lima, David e Carolina Medeiros, Patricia Frazão, Miguel Migueis  ... Fernando Belo e Paulo Vargues na sonoplastia e iluminação, respectivamente.

Andei intrigado durante toda aquela viagem acerca da senhora do cãozinho no Teatro de Tomsk. O rosto, as feições, os cabelos loiros , os olhos e tudo  o resto  que dela fazia gente presente no meio daquele espaço, era coisa  que só poderia ser mesmo de Sacalina, de Moscovo, das Russias, da Ucrânia ou da Polonia. Real demais para ser de Santos. Pois era Kateryna Patreanu, a tal senhora do cãozinho. E que bem que ela ia ...!

Frequentemente, aquilo para que os meus sentidos  deveriam mesmo  ficar alerta,  era realçado  pelas peças de piano magistralmente  interpretadas e criadas pelo Maestro.
E, nesta viagem, o  Maestro, não era um  qualquer.
Antonio Vitorino D'Almeida, ele mesmo,  companheiro  desta noitada e desta viagem  magistralmente dirigida pela grande Amiga Maria do Céu Guerra.
No regresso, já na rua, em Santos,  fui ainda  verificar  se já haviam iniciado  as obras da estátua merecida à Barraca, à Maria do Céu  e ao Helder Costa,  coisa de há muito justificada pelo  muito que estes Bons Malandros fazem pelo bom teatro  que se vai podendo ver  por  este petit morceau de terras  lusas.

Despedi-me dos companheiros de viagem com um beijo amigo à Maria do Céu Guerra e votos de muitas felicidades e sucesso  ao grupo de quatro estagiários do Teatro A Barraca que esta noite completou  o elenco.

Carlos Pereira Martins.
Consumidor  de bom Teatro

























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