Esta, será, sem duvida, uma parcela de uma já longa história de vida mas é, também, uma história de amor e simplicidade. E uma explicação do meu gosto e amor ao ciclismo, até hoje.
Desde miúdo que me habituei a ver todas as noites dos dias em que decorriam as Voltas a Portugal, com o meu pai e na RTP, o chamado Diário da Volta. Tudo a preto e branco, com a celebre musica de inicio e fecho que soava ao rolar das bicicletas, ás pedaladas e aos rolamentos em movimento.
Anos de nomes que ainda hoje me soam a momentos de felicidade, como Leonel Miranda, Joaquim Leão, o Jorge Corvo do Tavira, o Fernando Mendes do Benfica e o João Roque do Sporting, nas lutas também com o Joaquim Andrade do Sangalhos...mal adivinhava eu que iria casar com alguém ali da Bairrada, na Malaposta, Anadia !
Sempre sem que a ordem destes nomes signifique qualquer critério de maior ou menor valor, exactamente ao correr da memória, o Alberto Carvalho, Sousa Cardoso, Mario Silva, Laurentino Mendes, Peixoto Alves...ah, ...aqui paro e forço a memória, pois, o Peixoto Alves! ...o Cosme Oliveira, Fernando Mendes, Joaquim Agostinho...isso, ele mesmo que vi correr, Americo Silva, Antonio Acursio...outra pausa para recordar...Antonio Graça, Firmino Bernardino...Marco Chagas!
Descobri a certa altura, no mercado da Figueira da Foz, num bazar de brinquedos que vendia ali para os miúdos das banhistas, como chamavam os moradores da Figueira aos veraneantes, os baldes, as pazinhas, os ancinhos e as forminhas para os bolos de areia, também à venda, uns ciclistas de plástico, começara então a era do plástico e do sintético.
Muito simples, de cores diferentes, recordo que não eram caros, de contrário não teria convencido a minha Mãe a comprar-me, aos poucos é verdade, mas tantos que eram os suficientes para formar uma meia dúzia de equipas. Azuis que eram os do Sangalhos, vermelhos que eram os do Benfica, verdes que seriam do Sporting, pretos também que eram do Ginásio de Tavira e os brancos que passaram a ser do Porto depois de eu lhes pintar umas riscas azuis no dorso.
Una anos depois vieram para a Volta umas equipas belgas com nomes que me complicavam a escrita, os Van Der isto e Van Der aquilo, o Vandame, Franzbrandt, Haubrechts e Montayne...!
Com esta tropa toda o que eu fazia rodos os anos, nos dias da Volta, era a MINHA VOLTA.
A sorte de termos aq Quinta da Aguieira, com espaço , com ar livre, carreiros de cimento enormes em volta da casa, terraço á frente, que subia, inclinado da chamada carreira desde o portão de acesso à casa, dentro e no meio da quinta, até ao portão da garagem.
Desenhava com um bocado de uma telha ou de um tijolo, riscado no cimento, a estrada que era dividida em tantas quadrículas quantos os quilómetros que a etapa do dia tinha na realidade.
Tal qual como nos jogos de dados e tabuleiro.
Depois, era alinhar os ciclistas à partida, pegar nos dados e ir jogando alternadamente para cada um deles. Cada ciclista tinha também um numero no dorso, posto por mim, que era o correspondente aquele ciclista na Volta real.
E um nome, na minha escrita, também real.
No final da etapa, apontava tudo, cada um penalizava o numero de jogadas que tivesse que fazer a mais do que o primeiro a correr a meta.
Depois, diariamente, a classificação acumulda. Se na Volta real houvesse bonificações, eu tinha o meu sistema correspondente para abater pontos aos primeiros. E havia pontos para os primeiros a passar nas metas volantes, que também existiam, tudo como na etapa sério, para a montanha, tudo igual.
Etapas em pista como em Alvalade, Tavira, Alpiarça, ou Sangalhos, tinham um circuito desenhado também a rigor, uma elipse.
começava logo de manhã e às vezes, quando me cansava ou tinha outras coisas a fazer, deixava tudo no sitio onde estava e voltava mais tarde ou depois do jantar que os dias de verão davam para isso.
Conservo ainda alguns desses ciclistas de plástico. Quem agora os veja, achará um disparate, claro!
Mais tarde, esses calotes, surgiram à venda uns ciclistas "mais a sério", bem pintados, com base a preceito, com o capacete a imitar aqueles bocados de pneu de roda de bicicleta que até davam para tirar e recolocar. Desse, tenho pena, mas não restou algum.
E é bem por tudo isto e talvez por outro tanto que nem ficou contado por não ter vindo ao caso, que ainda hoje corro, ando quilómetros de caro, fico especado em frente de um nome sonante do ciclismo, sobretudo dos da velha guarda, apenas para voltar a sentir a enorme felicidade tão simples e tão barata de conseguir, que sentia com os meus ciclistas, quando era menino.
Já mais velho, entre o quinto ano do liceu e o sétimo, dei mais realidade à história com os meus amigos mais próximos. Faziamos corridas de bicicleta na Aguieira, um local já dentro da cidade mas retirado do transito , por trás da Estação dos Caminhos de Ferro, que agora já não existe. Mas com terras que agora vão até ao lado esquerdo da Avenida da Europa, onde por feliz coincidência, chega ou parte, ano após ano, a Volta a Portugal em bicicleta.
Daí que a nosso quinta se chame a Quinta da Aguieira. No extremo tem um enorme pinhal que é ainda hoje um pulmão da cidade , o Monte Salvado.
Faziamos, então, corridas, em linha, em contra-relógio e a montanha, a subida da chamada "ladeira da resineira". Eu, sem puxar aqui à gabarolice, ganhava quase sempre. E na montanha, a subir, era mesmo um especialista! E fazíamos ao cronometro pois que nessa altura convenci a minha mãe a oferecer-me um cronometro a sério num dia de aniversário.
E fica um detalhe da minha ligação às bicicletas.
Como em tantos anos antes, desde sempre, o mês de Agosto era passado na praia com os meus Pais. Desde o meu primeiro ano.
De início, íamos para a Praia de Espinho.
Mais tarde, a partir de 1962, mudamos o rumo para a Figueira da Foz.
como desde sempre tive alguma habilidade para desenhar e construir, nesse verão de 1964 , concorri ás construções na Areia, do Diario de Noticias, esculpindo em areia um FLAMINGO !
As penas da asa lateral, foram simuladas com conchas de mexilhão, abertas e sobrepostas.
No final do dia 29 de Agosto, estava o mês mesmo a acabar e o regresso a Viseu a preparar-se,
fui ao Casino da figueira da Foz receber o primeiro prémio da Categoria correspondente á minha idade.
Foi o Duo Ouro Negro quem me fez entrega do prémio, uma bicicleta, mesmo á minha medida mas que apostando que ainda viesse a ganhar centímetros em altura, tudo aconselhava
que fosse trocada por uma com roda maior.
Foi o que foi feito logo no dia seguinte, depois de contada a história ao proprietário de uma loja e oficina de bicicletas que ficava mesmo por baixo da piscina do Grande Hotel da Figueira da Foz, na marginal, frente á praia. O proprietário da loja era nem mais nem menos que o pai do famoso Alves Barbosa, vencedor de Voltas a Portugal e o mais prestigiado ciclista daquela época.
Um regresso a Viseu cheio de alegria e , muito convencido, fui registar o velocípede á Camara Municipal, com placa amarela de matricula e tudo.
Uma grande recordação, esta VITÓRIA no concurso das Construções na Areia que agora, tantos anos depois, consegui obter cópia do jornal publicado no dia seguinte.
Carlos do Trio Odemira
Alves Barbosa, autografada.
Chris Froom
O Nuno, meu filho, numa partida da Volta, com Joaquim Agostinho.
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