Falo e escrevo com a experiência ou a autoridade que me vem por ter presidido na União Europeia a vários Pareceres sobre transportes, segurança, meios aéreos e aviação em particular.
Fico surpreendido ao ver que a generalidade dos comentadores, especialistas, políticos e responsáveis nacionais centram as suas analises ou opiniões sobre o passado, sobre os incêndios do ultimo verão. E quase nada é prospectivo. Sobre o futuro, mesmo nada. Sobre o futuro muito próximo, mesmo nada.
Preocupa-me imenso o clima de clivagem instaurado entre os Bombeiros, a Protecção Civil e as forças militarizadas, no caso, a GNR.
É que os meios aéreos já contratados ou a contratar para actuar em cenários de incêndios, operam com uma missão de primeira e imediata intervenção.
São, ou deverão ser, o primeiro ataque directo a um fogo de proporções que justifiquem a sua entrada em acção e cada piloto, cada aeronave, em especial os helicópteros, levam consigo uma equipa de JIPS, soldados da GNR especializados na intervenção rápida contra os incêndios.
Uma vez feita essa primeira intervenção, largam a sua acção e partem para outro local , outro incendio, para recomeçarem nova intervenção como primeiríssima força de combate, inicial.
E largam, assim, a continuação do combate ao incendio para os bombeiros, esses, sim, com a missão de defesa das populações, casas, pessoas e bens, como, aliás, as corporações e as associações de bombeiros têm vindo a lembrar.
Acontece que se instalou um clima de crispação e confusão entre a missão de cada uma e do conjunto destas forças.
Temo e corre-se o risco de, no próximo verão, na próxima época de incêndios, se nenhuma ponte vier a ser feita entre os Bombeiros e os LIPS e os meios aéreos, se chegar a situações desastrosas de os primeiros, Jips e helicópteros actuarem e a seguir os Bombeiros se remeterem para aquilo que agora insistem ser a sua missão, defender as populações, os aglomerados habitacionais, as pessoas, em sentido estrito.
Risco de haver primeiras intervenções de meios aéreos e a seguir ficarem todos á espera de quem não vem. Pois que os Bombeiros, a manter-se a situação de crispação, entenderem que se os "bons", especialistas, são os primeiros, os JIPS, então, que continuem, eles remeter-se-ão á "sua missão".
E isto não pode acontecer.
Aconselho vivamente, em prol do bem comum, do interesse publico, das populações e do património urbano e florestal nacional, que tudo se faça, desde já, para o restabelecimento do clima de cooperação e entreajuda entre estes diferentes actores com missões distintas.
Tenho sido, ao longo dos anos e nas funções desempenhadas nos orgãos da Sociedade Civil, treinado para construir "pontes" e dirimir situações de conflito ou de crispação.
E, o que vejo, preocupa-me.
É que, se nada for feito, se não houver quem estabeleça as pontes necessárias para que o esforço conjugado seja eficaz e maximizado, correr-se-á o muito sério risco de os helicópteros actuarem, largarem os JIPS, os primeiros e mais fortes ataques com toneladas de baldes de agua e em seguida ficarem todos á espera pelos restantes meios que, se se ativerem á sua estrita missão como agora parece estar definida, só actuarão como defesa das populações, pessoas e propriedades urbanas, não das florestas. Essas, parecem estar confiadas aos meios aéreos.
É muito importante olhar para o passado, retirar experiência e lições. Mas é importantíssimo estabelecer orientações, competências e missões de intervenção, sem confusão de espécie alguma, para futuro que já aí está.
Carlos Pereira Martins
ex Membro do CES e do Com.Economico e social Europeu
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