Pelo muito respeito que tive por Américo Amorim, deixei passar alguns dias antes de escrever uma letra sobre o enorme pesar que sinto pelo seu desaparecimento.
Tive os primeiros contactos com Américo Amorim, nessa altura, tratava-o pelo Senhor Américo, nos anos 80, na montagem de operações do mercado de capitas para as suas empresas Ipocork e Corticeira Amorim. Visitava-o, então, em Mozelos, em Vila da Feira.
Certo dia, num fim de dia, pelo sinal, perguntou-me o que achava de duas das suas “ousadias” de então, o estreitamento de relações com mercados de leste, em particular a União Soviética, e a aproximação, negocio e escoamento da cortiça do sector cooperativo, em particular das então muito faladas e motivo de luta política , as Cooperativas Agrícolas de Produção.
Claro que a minha opinião não podia deixar de ser positiva, isento que estava de fundamentalismos políticos. Pelo contrário, sempre achei que o comercio é motivo de paz e entendimento pois para realizar operações comerciais e negócios, as empresas e as pessoas terão forçosamente que estabelecer pontes entre si, entre os países, que se entender e criar clima de apaziguamento e entendimento.
E ficou comprovado que a sua visão estratégica foi de génio, os objectivos cumpridos e o seu acumular de ganhos e criação de riqueza e distribuição, através da criação de mais postos de trabalho, foi notável.
Certo dia, para concretizar uma aproximação e possibilidade de compra de uma empresa de bandeira nacional e histórica no sector vinícola, sabendo que me dava tão bem com o seu lider, como com ele próprio, e tratando-se de dois , chamemos-lhe “pesos pesados” do tecido empresarial nortenho, pediu-me se estaria disponível para realizar um jantar em total secretismo, não queriam ser mesmo vistos juntos, por quem quer que fosse. Apenas nós os três, numa sala privada de hotel no Porto.
As coisas correram e o jantar ficou marcado para determinada noite no Hotel infante de Sagres, no Porto, sala privadissima, apenas os três e , eu, apenas com a incumbência de colocar panos quentes entre os dois, sempre que de qualquer dos lados, as coisas pudessem rumar para caminhos ou palavras que viessem a impedir a desejada ponte de bom entendimento.
No porto, nesses dias, decorria um qualquer grande congresso do sector do turismo que não me deixara livre um quarto em qualquer dos hotéis onde costumava ficar, o meridiano, o Sheraton, ainda na Avenida da Boavista do outro lado da rua do Meridien, ou no Infante de Sagres.
Reservei, então, no Solverde, em Espinho, ficava muito perto e em caminho para Lisboa.
Costumo dizer e cumpro, que nunca sofri de “refluxo” em relação ao que os meus amigos me diziam em privacidade. Nada sai nem nunca saiu.
Hoje, pela primeira vez, posso acrescentar ou revelar, que os intervenientes eram o Senhor Amorico Amorim, lider do já então Grupo Amorim, e o Senhor Manuel Silva Reis, pai, lider da Real Companhia Velha, uma empresa historia do Vinho do Porto, com pergaminhos de realeza.
O jantar e a criação de pontes, correram muito bem. Devo acrescentar que o fiz por amizade e pelo apreço que cada um deles nutriam por mim, as despesas de deslocação, estadia, etc, as minhas, foram mesmo minhas, o jantar, nem sei mesmo quem o pagou. Um dos dois, certamente.
Cheguei a pensar e acredito ainda, que gostaria de ter trabalhado com aquele homem, com o Senhor amorico amorim. Nunca veio á conversa e nunca lhe deixei entender, para não me colocar em posição de inferioridade. Mas, pelas características dos dois, o caracter, creio que teria dado muito certo.
E tudo correu em tão bom clima que deixei o Porto rumo a espinho, ao Solverde com muito boa disposição e sem sono, mesmo sendo já mais da uma da manhã do dia seguinte.
Por isso mesmo, ali chegado, estacionei no parque do hotel, evitei entre o tirar a mala e fazer o check-in ou seguir para Lisboa já que no dia seguinte teria uma viagem para o estrangeiro.
Com todas estas duvidas, saí do carro e fui tomar qualquer coisa ali ao bar do Casino de espinho, mesmo ao lado.
Continuava a sentir-me desperto. Entre o ir para o quarto e despertar cedo nessa madrugada ou seguir caminho, decidi então seguir para Lisboa.
Já ali perto da Mealhada, senti sono, o primeiro. Parei. Pensei ir dormir um pouco a casa dos meus sogros que ficava ali na Malaposta, ao lado de Anadia.
E foi a mesma luta com as mesmas duvidas. Decidi ir para Lisboa.
E o sono, aí talvez já com o peso psicológico a funcionar, foi aumentando. Parei em mais dois cafés de estrada, bebi duas bicas.
Mas, ali perto do final da auto estrada, já próximo de Lisboa, onde existem aquelas barreiras sonoras do lado direito no sentido Porto-Lisboa, devo ter fechado os olhos por um segundo ou dois, senti ramos no pra brisas sobre o lado direito, guinei para a esquerda, ia quase para bater no rail da esquerda, guinei, voltei a guinar, “contrebracage”, que aí, na condução, eu era bom, e saí daquele embargo sem bater, sem um acidente grave.
Cheguei a casa ainda branco, deitei-me e perdi o sono.
Passadas umas semanas, poucas, li no Diário de Noticias que uma senhora tinha ali falecido, por volta da mesma hora, semanas depois, talvez devido ás mesmas dificuldades ou más decisões que eu tomei naquela noite. Tive sorte. Ou a minha queda para a condução, deve ter-me salvo.
Encontrei Americo Amorim, ao longo da vida, variadíssimas vezes, por exemplo, no aeroporto de Lisboa esse em saída em férias com a família, ele me explicava que iriam em voos diferentes, para minorar os riscos. Era muito discreto, pesava o risco, não fazia a vida dos novos ricos que os deslumbrados pelo êxito, normalmente, exibem e fazem.
Daí que quando um dia disse que não era rico, depois de mais uma publicação que o dava como o português mais rico, não foi entendido. Sabia o que tinha mas não vivia “á rica”, nem exibia esse estatuto ou essa postura obscena .
Agora que o “Senhor Américo” nos deixou, fica o meu testemunho como ia morrendo … por simples amizade e estima. Ainda havia “jovens” assim , naifes, chamar-me-ão, no final dos anos 80.
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