O OBJECTIVO DESTAS LINHAS
A língua portuguesa, uma das mais faladas em todo o mundo, é, em paralelo com a manutenção das linhas que delimitam o território continental que se mantém imutáveis há cerca de oitocentos anos, situação sem paralelo na Europa, uma das poucas e últimas manifestações claras de soberania de um povo que atravessou oceanos antes que outros o tivessem tentado, estabeleceu novas rotas de comercio entre continentes, soube fazer a ponte entre o oriente desconhecido e a Europa e continuou esse trabalho de descoberta, inovação e conhecimento até ás Américas.
O objectivo deste texto é o de alertar para a importância de defender a língua portuguesa, criar hábitos de proximidade e boa utilização da escrita e da palavra e evitar um fenómeno que muito nos preocupa, o da degeneração da língua.
Que não se entendam no texto e nos exemplos enunciados quaisquer criticas seja a quem seja.
Não sou perito em questões de letras ou da própria língua portuguesa.
Tenho da nossa língua o conhecimento essencial que a escola primária, depois o liceu e mais tarde a universidade me deu. Sou um contínuo aprendiz no que á língua portuguesa diz respeito.
A minha universidade não foi a clássica, um curso de letras. Foi a técnica, economia. Estou, portanto, longe de poder ser entendido como um pretensioso erudita a ditar sabedoria e sentenças.
Que não se conclua um sentido critico em relação a comportamentos das gerações mais jovens que possam vir a ser referidos. Pelo contrário, se há valor que muito aprecio é o respeito pela diversidade, pela diferença e pela evolução natural dos hábitos, costumes, práticas e culturas.
Mas, atento que sou á forma como a língua é tratada, como é utilizada, á sua própria evolução nos tempos, aos sinais que recolho dos profissionais da palavra, esses cujo exemplo e a prática têm um valor acrescido, os profissionais dos meios de comunicação falados ou escritos, também dos sinais que me chegam da população que progride nas áreas do conhecimento, seja das ciências, das artes ou das letras, esses, naturalmente , com obrigações igualmente acrescidas no que se refere á utilização da íngua mãe, confesso que tenho que manifestar uma enorme preocupação por um fenómeno que não posso classificar de outra forma que não seja o da galopante degeneração, adulteração e desagregação da língua portuguesa.
Inúmeras foram já as vezes em que perdi a descrição e o afastamento que deveria em situação normal manter, para alertar para incorrecções crassas, grosseiras, daquelas que em tempos idos serviam para caricaturar quem acerca do assunto estava a zero, seriam intoleráveis para um iniciado na aprendizagem do mais elementar.
Na verdade, o meu insucesso tem sido enorme.
NO QUE SE REFUGIA QUEM À LINGUA NADA LIGA
Recorre, frequentemente, quem tem tais comportamentos e falta de conhecimentos, ao argumento que as línguas evoluem, que há que estar preparado para a evolução da nossa língua, também.
Para que não haja mal entendidos, refiro desde já que a utilização da linguagem quase simbólica que tanto sucesso faz, por exemplo, nas mensagens de internet e nos sms dos telemóveis, os “k” em vez de “que” e muitas outras do género, devo dizer que não é isso que me preocupa, não será por aí que a língua portuguesa entrou e continuará um processo degenerativo.
O que preocupa é que o argumento ou desculpa do não saber e persistir no erro, é utilizado por quem fala e escreve em situação normal, fora do informal da linguagem das mensagens, por quem escreve e lê os noticiários, nas conversas ao telefone, nas chamadas que recebemos, nas noticias que ouvimos, lemos e nos entram pela casa e pelos ouvidos dentro, cada dia, a cada hora e nos ferem os sentidos e o orgulho dessa réstia de soberania e sentido de povo singelo e de nação, que é o facto de termos uma língua comum e reconhecida. E, podia até nem ser o caso, mas ainda por cima, que bonita que ela é !
Vamos colocar isto de forma clara. Tomando como bom certos argumentos ou desculpas como a da evolução da língua, “que mal faz, pois o que interessa é comunicar e que nos entendam”, a de simplificar, dar e ter menos trabalho a escrever, uma coisa é certa, no inicio, nos tempos primitivos, assim foi. E as pessoas evoluíram, desenvolveram formas de expressão mais refinadas, mais completas, se bem que mais complicadas. com muito mais sinónimos e palavras que, usadas por forma muito adequada a determinadas situações, davam e dão delas percepções mais exactas, com outra sonoridade, com outra beleza, com outro encanto e encantamento para explicar, definir, narrar com objectividade situações, coisas simples ou complicadas. Por vezes acontece-nos, com a arte de quem escreve ou diz um texto, quase nos ser transmitida a cor, o cheiro, o sabor, enfim, o que só pelos sentidos nos costuma chegar.
Quem nunca apreciou a beleza de uma boa leitura, não importa o género preferido, tem do mundo e do grau de desenvolvimento atingido pela humanidade uma visão muito incompleta.
É como se perante um excelente manjar só tivesse provado, levado á boca, o garfo.
Reafirmo, não critico quem não lê, não gosta de ler, não aprendeu a ler como hábito. Mas não desisto de lhes fazer ver que estão a desperdiçar mundo, natureza, progressos elementares da humanidade.
Realmente, se comunicar, ainda que por monossílabos, seja suficiente, fica-lhes um prazer que é dado por uma evolução da humanidade, em particular do mundo português, de que não sabem nem tomaram o sabor.
E estão, no fundo, a dar de barato, a alienar uma das últimas réstias de soberania do povo a que pertencem. A de ser português.
VALERÁ A PENA DAR ALGUNS EXEMPLOS DO QUE FALAMOS
Eram, até há poucos anos, exemplos básicos, a roçar o ridículo para quem os usava, mesmo por lapso, reveladores, obviamente de ausência de saber.
Coisas simples e, para os que do português fazem ainda a sua língua, exemplos caricatos e que hoje são, infelizmente, de uso quase corrente:
- “dizeria-lhe” em vez de dizer-lhe-ia;
- “ diz a ele” em vez de diz-lhe . Esta muitíssimo usada e quase já ninguém sabe utilizar a forma correcta. Aflige ouvir ser utilizado, dito, de uma mãe com 40 anos para um filho com 7 ou 8. Mas acontece com muita frequência e, pior do que tudo, faz escola. Já fez escola para a mãe e faz agora para os filhos.
Dos muitos exemplos que poderiam ser dados e acrescentados, ficaremos apenas pelos que vamos ouvindo proferidos por, sublinho, profissionais da palavra e da escrita, não citamos qualquer outro cidadão comum sem responsabilidades acrescidas neste aspecto de correctamente falar e escrever a língua portuguesa.
São muitos e, por vezes, não fosse triste a situação, poderiam divertir-nos imenso.
No dia 3 de Setembro já de 2014, numa notícia sobre a volta a Espanha , dizia a locutora de um canal de televisão de nomeada que o corredor, depois da queda, “ foi saturado” com vários pontos. Convirá apontar a correcção, sejamos, pelo menos aqui, didácticos e o correcto seria suturado, cozido, com pontos.
Logo no dia seguinte, a 4, a mesma locutora que fazia o jornal das 20 horas, referia-se a qualquer “peseudo caso" de que se falava. Quereria e deveria dizer pseudo.
Nessa época que continuou mesmo até aos dias de hoje, falava-se muito dos “foncionários”. Os “foncionários públicos” e , em geral, os “foncionários. Pretender-se-ia dizer os funcionários, obviamente. Mas também dizem muitas vezes que, por exemplo, os hospitais “foncionam “ mal !
Apetece-me escrever que o nosso problema não é o “foncionamento”, é a falta de saber e querer falar bem a língua que é a nossa.
Recentemente, na RTP 1, sobre o golpe de estado na Turquia, muitas vezes a locutora de serviço falou nos “helecópteros", e, por arrasto, entrando nas noticias nacionais, continuou a falar do recurso a meios aéreos, “helecópteros “, em vez de helicópteros.
Agora mesmo, semana em que o território nacional é um imenso campo de lavas, nos vários canais televisivos se noticia a chegada ao terreno de “helecópteros”.
Mais recente ainda, RTP 3, dia 28.7.2016, notícia sobre as ilhas do Porto. Ficamos a saber que as Fontainhas iriam ser transformadas em “lojamentos” para turistas e os moradores desalojados.
Ainda no dia da chegada da Volta a Portugal a Lisboa, em plena Praça do Comercio, na zona de acesso reservado a convidados das Equipas, patrocinadores e organizadores, dos vários filmes publicitários que passavam num ecrã gigante, chamou-me a atenção um da Rubis Gás onde uma personagem dizia “sâjamos felizes” ! Pois sejamos, estimada senhora que isso é o que mais importa, a felicidade , mesmo falando mal.
Já no passado dia 3 de agosto, a antena 3 noticiava os incêndios na Ilha da Madeira e em vários pontos do Continente. Ficamos a saber, pela voz da profissional da palavra, da comunicação que o dizia, que “vários incêndios desvastam o país “
Mas, o mau gosto ou a ausência de sensibilidade, chegaram mais longe, na mesma radio, quando, logo de seguida se noticiava a presença num dos festivais de musica nesse dia de um cantor que, “esse sim, prometia incendiar toda a noite” ! Falta de sensibilidade, falta de solidariedade, falta de tempo para parar e pensar antes de falar ou ler o que lhes colocam á frente. É pena, muita pena.
- O QUIÇÁ
Há curiosidades que se repetem em muitos comportamentos que valerá a pena referir: muitas vezes, acontece com muitas pessoas que sendo quase ignorantes em determinada matéria, tendem a copiar e repetir o que ouvem, repetir o que pensam ser novo e bom, ou muito bem . Coisas ouvidas de outras pessoas que muitas vezes são tão ignorantes como elas mas que, por lhes parecer que isso será boa capa para esconder a real ignorancia, repetem logo que tenham para isso uma oportunidade. Acontece , por exemplo, com vários comentadores desportivos, recém chegados da pratica do futebol ao papel de comentadores desportivos, com jogadores a quem as televisões dão as primeiras oportunidades de uns segundos de “centro do mundo”, em entrevistas relâmpago mas em directo. E lá vem o “quiçá”.
Pela minha parte, logo que um comentador, um qualquer entrevistado, diz a palavra chave, o “quiçá”, muitos com ar de apresentação de um diploma de sabedoria e de adiantamento cultural comprovado, convencimento, concluo que está no preciso momento de desligar a fonte de informação ou mudar para outra.
Mas estes comportamentos, neste pequeno universo a que me referi, vão sendo corrigidos, quase de forma automática, com o passar do tempo. Lembro-me de um reputado comentador desportivo, homem de relatos de futebol, de outrora, que vinha todas as manhãs, cedo, á radio fazer o seu comentário ao acontecido nos jogos da jornada. O homem era tão rebuscado que o que dizia, e era bastante em quantidade de palavras, tudo espremido, não dava mais que um chorrilho de palavras difíceis, de emprego duvidoso e despropositado naquela circunstancia. De inicio confesso que me aborrecia a verborreia. Depois, passou a divertir-me. Agora que está também nas televisões, deixou os cuidados e exageros com a linguagem para as vestimentas e o penteado e está tudo muito mais normal. Quem diria. É um senhor para quem o vê e ignora esse passado. Ainda bem. Por vezes, o tempo tudo muda.
- FALAR NA SEGUNDA PESSOA DO SINGULAR , COMUM NOS JOGADORES DE FUTEBOL
De inicio não entendia o porquê.
Ter na frente um qualquer jogador de futebol, a maioria das vezes dos que passaram a jogar noutro país, a responder a perguntas de jornalistas ou profissionais com muito mais idade, com outro nível de reputação junto do publico e até de educação, e vê-los serem questionados com a deferência com que se trata quem não nos é próximo e responderem com um “tu cá, tu lá”, dava-me que pensar.
De inicio e durante muito tempo pensei que se devia exactamente ao facto de muitos deles jogarem fora de Portugal e o efeito, por exemplo , da língua inglesa em que o “you” é o mesmo no tratamento por tu e no nosso tratamento por você ou por senhor.
Entenda-se que nada tenho contra ao tratamento por tu. Mas tudo no seu contexto. Tem sempre que haver qualquer coisa em comum que seja a ponte, o elo que o justifique. Ou a amizade, proximidade, partilha de ideias comuns, partilhe de ideologia, partilha de credo religioso, de fraternidades.
Não naquela ausência de razoabilidade que por vezes pode dar a ideia de convencimento de superioridade, mas de facto não o é, que roça o despropósito como é usado.
O que é facto, talvez por nada poderem fazer contra isso, por se ter tornado tão habitual , tão fortemente utilizado, os comentadores mais formais, ou mais naturais, até os dirigentes e técnicos, passaram a utilizar a estratégia do : se não os podes vencer, então, junta-te a eles.
E passaram a fala no mesmo tom.
Passado que foi este tempo de análise e de tentar compreender, encontrei a resposta, a explicação.
Reparem, para quem não saiba conjugar os verbos correctamente em mais do que uma forma, conjugá-los na segunda pessoa do singular, o tu, é a solução.
E com as formas reflexas é exactamente o mesmo.
Um “dir-lhe-ás” virou com a maior naturalidade um “dirás-lhe”. Coisa que outrora dava, por ridícula e errada que é, para caracterizar como um “zero”, ama azémola, quem o dissesse ou escrevesse.
Mas isto ouve-se , há já bastante tempo, da boca de entrevistados e de profissionais nas nossa rádios e televisões.
Um “far-lhe-ias mal”, virou quase como regra um “fazerias mal a ele”.
Mas o que de facto se esconde por trás do “tu cá tu lá” é a dificuldade e ignorância na construção de frases com o sujeito indeterminado.
Tomando um ou mais exemplos, torna-se mais fácil entender o que está em causa, a dificuldade e o forma expedita de a vencer.
Querendo dizer: não se “consegue gerir isto assim”, “não se consegue chegar lá e vencer”, “não se pode afirmar de animo leve”, a forma encontrada é, numa grande maioria de situações, usar a segunda pessoa do singular : “não consegues gerir isto assim”, “não podes chegar lá e vencer”, “não podes afirmar de animo leve”.
Ao contrário do que possa parecer , nada tem a ver com o uso da segunda pessoa do singular, nem , tão pouco, com o “you” da língua inglesa. É, tão só, não saber usar ou conjugar o sujeito indeterminado.
O problema não é, apenas ou exclusivamente, dos jornalistas como poderia parecer.
É mais visível nos profissionais da comunicação dado que todos os dias se encontram em exposição pública. O problema abarca já várias gerações e é transversal á sociedade.
O problema é que deixou de se ser exigente na aprendizagem e, sobretudo, no uso corrente das palavras do dicionário da língua portuguesa, no bom uso, na dicção, na escrita e na fonética.
E, por ser extensivo a várias gerações, começam a faltar, de facto, quem ainda saiba falar e escrever correctamente e corrigir quem não sabe .
Não haver sensibilidade nem conhecimento par parte de quem deveria corrigir é dramático. Falta a sensibilidade porque falta o conhecimento.
Falta o conhecimento por deficiente aprendizagem, por deficiente ensino e por muita falta de interesse em conhecer e bem falar a língua mãe.
E tudo isto se pode corrigir. com muita motivação.
Está mais do que provado que os insensíveis que são muitos, também são capazes de chorar.
Choram por boas causas, por alegrias como recentemente com os feitos do desporto nacional.
então, temos gente, só é preciso motivá-los, mostrar-lhes a razão da importância de bem falar e bem escrever a língua que ainda nos dá uma réstia de soberania. A nossa.
Numa grande parte de situações, aquilo que parece um abuso, uma falta de senso, o tratar do pé para a mão alguém que não nos é familiar, amigo, pessoas muito mais velhas, entrevistados , etc, por tu, ou por um “você” com entoação que soa a ordenario, rafeiro, estaria resolvido com uma pequenina dose de bom senso. De parar para pensar. Bastaria que quem entrevista, quem atende num estabelecimento comercial, que se dirige a outra pessoa, simplesmente retirasse o “você” ou o “tu”. Mais uma vez a questão do sujeito. E, assim, tudo ficaria resolvido. Tudo soaria melhor.
“ Acha que a Selecção vai ganhar ? “
“ Que tamanho usa nas camisolas ? “
Assim, sem você nem tu, muito simples.
E, tudo isto, É MUITO A SÉRIO. E não, como os desleixados da língua fizeram crer que seria mais popular e criou má escola,"É MUITO À SÉRIA " !
É À SÉRIA, não existe. É muito a sério.
- A defesa deste ponto importante da soberania nacional, a língua, passa, a meu ver, pelos programas e exigência no ensino do português, naturalmente, pelas escolas, pela formação dos próprios professores, mas não basta.
É necessário motivar uns e outros, quem aprende e quem ensina para a defesa de um aspecto que tem a ver muito directamente com o ser português, com a soberania, como já foi escrito.
- Passará ainda, quanto aos meios de informação escrita e falada, por um escrutínio especial. É necessário que os meios de comunicão social sejam escrutinados, avaliados, compensados em notoriedade ou, pelo contrario, em falta de qualidade, na medida em que melhor ou pior façam uso da língua portuguesa correctamente escrita ou falada.
Envolva-se quem mais tem feito pelo português: as entidades normalmente ligadas ao Prémio Pessoa, a fundação Calouste Gulbenkian, a própria Presidencia da Republica e o Parlamento.
Um prémio anual a quem melhor faça uso e defenda a língua portuguesa. Daí resultará algum impacto nas vendas, na reputação com impacto quer nos anunciantes quer nos proveitos.
Mas, por favor, faça-se qualquer coisa.
Pela minha parte, estou disponível para colaborar num projecto que vise defender essa réstia da soberania e do querer ser português, sem que isso invalide o respeito e vontade do sentimento plural de integração com outros povos e culturas. No plural teremos mais riqueza, certamente. Mas não deixemos que a nossa cultura e identidade possam degenerar tão facilmente por outra razão que não seja o desleixo e a falta de vontade de afirmação.
Carlos Pereira Martins
Carlos Pereira Martins
Foi Director financeiro e Director Internacional do Montepio Geral.
Membro do CES português, durante vários anos
Membro, durante 9 anos, do CESE - CES Europeu
Presidente da comissão Executiva do Conselho Nacional das Ordens Profissionais